Em entrevista telefônica à AFP, a mulher de 88 anos relembra suas memórias de um atleta que abriu mão das glória por suas convicções religiosas, embora tenha sido um "fanático", diz ela.
Cristão fervoroso, o escocês abdicou de sua melhor prova nos Jogos Olímpicos, a corrida de 100 metros rasos, para não ter que correr aos domingos, o que era contrário às suas crenças religiosas.
Este dilema, os esforços vãos da delegação britânica para convencê-lo a mudar de ideia e a vitória de seu compatriota e adversário Harold Abrahams foram exibidas no filme "Carruagens de Fogo", de Hugh Hudson, que venceu o Oscar de Melhor Filme em 1982.
"Ele era um cristão mais liberal, mas não queria trair seus princípios em troca de uma medalha de ouro", explica Patricia.
Dias depois da medalha vencida por seu compatriota naquela competição, Liddell conquistou o ouro nos 400m e o bronze nos 200m, duas provas que não ocorreram em um domingo.
Memórias vivas
Esta enfermeira tinha apenas seis anos quando viu seu pai pela última vez, mas suas memórias permanecem vivas.
Embora tenha em mente o feito de 1924 pelo que outras pessoas lhe contaram, ela se lembra perfeitamente de outra corrida, menos famosa, mas que teve maior impacto sobre ela, e que aconteceu na China na década de 1940, quando seu pai foi enviado para aquele país como missionário.
"Foi uma corrida em que participaram pais e filhos e vencemos com folga porque eu também fui rápida, mas não passei o bastão para ele, pois era um lenço bonito do qual não queria me desfazer". Na ocasião, Liddell aproveitou o incidente para lembrá-la da importância do "trabalho em equipe". "São coisas que ficam", diz ela.
Patricia também se recorda das últimas férias em família no verão de 1940, na qual passaram na cidade escocesa de Carcant, antes de seu pai ser detido na China por seu trabalho como missionário e diante da ameaça de guerra na Europa.
Em 1941, a pressão japonesa sobre a China aumentou e ela foi morar no Canadá com sua irmã Heather e sua mãe Florence. Liddell foi internado pelos japoneses em um campo onde só podia enviar cartas de 25 palavras severamente censuradas.
Em 1º de maio de 1945, Patricia soube da morte de seu pai, vítima de um tumor cerebral. "Quando voltei para casa houve um silêncio terrível. Quando minha mãe me disse 'papai está morto' eu gritei 'não, não, não, é um erro'. Foi poucos dias antes da vitória (dos aliados na Segunda Guerra Mundial). O mundo estava comemorando", lembra ela.
"Anos depois, encontrei pessoas que conheceram meu pai na zona rural (japonesa) quando criança. Eles me disseram que sua presença havia mudado suas vidas. Foi um conforto saber que ele também havia sido amado lá, mas foi uma perda imensa", conclui.