Ghiggia, o grande responsável pelo Maracanazo

“Apenas três pessoas calaram o Maracanã: o Papa João Paulo II, Frank Sinatra e eu”. Tal feito é gigantesco e, para alcançá-lo, Alcides Edgardo Ghiggia não usou a fé ou a música, mas, sim, os pés. Foi assim que, em 16 de julho de 1950, o ponta-direita silenciou mais de 200 mil pessoas ao balançar as redes e definir a vitória da seleção uruguaia por 2 a 1 sobre o Brasil, garantindo o bicampeonato mundial. Foi ele o grande responsável pelo episódio que ficaria marcado como o Maracanazo.

Natural de Montevidéu, Ghiggia começou a carreira no modesto Sud America e defendeu também o Atlante, da Argentina, antes de se transferir para o Peñarol, equipe na qual teve seu melhor momento na carreira – participou da conquista de dois títulos nacionais, em 1949 e 1951. No hiato entre esses triunfos, ganhou o mundo da bola naquele que era o maior estádio do planeta: o Maracanã. E o fez com atuações de impor respeito, na época em que o Uruguai era uma potência mundial no esporte.

Julio Perez era seu parceiro no setor direito do ataque. Eram conhecidos como o ‘Arco’ – Julio, com seus longos e precisos lançamentos – e a Flecha – Ghiggia, com sua velocidade, pronto para invadir a área e finalizar. Foi assim que ele marcou um dos gols uruguaios no empate por 2 a 2 com a Espanha – antes, havia balançado as redes também na vitória por 8 a 0 sobre a Bolívia.

Contra a Suécia, marcou outra vez, em partida primordial para a decisão final do Mundial. Isso porque, enquanto uruguaios e suecos jogavam no Pacaembu, em São Paulo, o Brasil goleava a Espanha por 6 a 1 no Maracanã. Um empate daria o título por antecipação ao país anfitrião, mas Oscar Miguez marcou duas vezes, a última delas aos 40 minutos do segundo tempo, para selar a vitória por 3 a 2, mantendo o Uruguai na disputa pelo bicampeonato mundial.

O Maracanazo

 

Em 6 de julho de 1950, Ghiggia não era uma das preocupações da torcida brasileira. A festa e euforia com o primeiro título do País eram evidentes, mas o ponta-direita não deixou isso acontecer. Mesmo tendo saído atrás do placar, Ghiggia não desanimou e continuou infernizando os marcadores pelo lado esquerdo da defesa do Brasil. Aos 21 minutos, o jogador deixou o zagueiro Bigode para trás, invadiu a área e cruzou para Schiaffino empatar tudo. A igualdade ainda dava o título ao Brasil.

Restavam 11 minutos para o apito final quando o jogador, novamente pela direita, trocou passes com Julio Perez e recebeu nas costas de Bigode. Ao invadir a área, notou o goleiro Barbosa se adiantando, prevendo novo cruzamento. Com um chute rasteiro, mandou a bola para o fundo do gol, entre o arqueiro brasileiro e a trave. Assim como quando Frank Sinatra cantou Strangers in the night, o Maracanã se calou. Mais do que as 200 mil pessoas presentes, ele fez chorar toda a nação brasileira.

O episódio ainda dói na memória do brasileiro – a derrota na decisão sequer foi citada no memorial do Maracanã. Em 29 de dezembro de 2009, Alcides Ghiggia voltou ao palco onde brilhou mais forte em sua carreira para ser homenageado: tornou-se o centésimo notável a colocar os pés na Calçada da Fama do estádio. “Nunca pensei que seria homenageado no Maracanã, estou muito emocionado. Meus sinceros agradecimentos ao público, desejo muitas felicidades no ano novo, e viva o Brasil”, disse.

Internacionalização

 

Em 1953, Ghiggia deixou o Uruguai para atuar pela Roma, da Itália, em decisão que acabou comprometendo sua sequência na seleção. Longe de casa, passou a atuar cada vez menos com os campeões mundiais e, por conta disso, perdeu a oportunidade de disputar o Mundial de 1954 – mesmo a competição sendo sediada pela Suíça, a Roma não liberou o jogador.

O período italiano na vida do jogador rendeu bons frutos e, por conta do passaporte do país europeu obtido, Ghiggia pôde defender a seleção italiana – na época, a Fifa não restringia tal ‘troca de países’. Com a camisa da Azzurra, no entanto, ele pouco pôde fazer: disputou as Eliminatórias da Copa do Mundo de 1958 e marcou apenas um gol, no empate por 2 a 2 com a Irlanda do Norte. Os italianos seriam privados do direito de disputar a Copa na Suécia pelos próprios irlandeses, perdendo por 2 a 1, em partida em que Ghiggia foi expulso.

Ghiggia ainda defendeu as cores do Milan e do Danubio, já de volta ao Uruguai. Encerrou a carreira em 1968 e se aposentou como funcionário do Cassino de Montevidéu, sem gozar do prestígio financeiro que os atletas atualmente têm acesso. Em outubro de 2004, recebeu uma alta honraria: ganhou a Ordem do Mérito da Fifa, pelos serviços prestados ao futebol.

No dia 16 de julho de 2015, Alcides Edgardo Ghiggia acabou falecendo, vítima de uma parada cardíaca. Sua morte chamou a atenção pelo fato de ter ocorrido justamente no aniversário de 65 anos do Maracanazo.

* Narração: Marcos Antomil. Edição de áudio: Bruna Matos