Edoardo Ghirotto
São Paulo
11/28/2016 08:34:47
 

“Há três tipos de gente: os que imaginam o que acontece, os que não sabem o que acontece, e nós, que fazemos acontecer”, cantou o rapper Black Alien na música Um Bom Lugar, lançada por Sabotage em 2002. Gabriel Fernando de Jesus tinha só 4 anos na época em que o rap fez sucesso nas periferias brasileiras, mas mantém a canção entre as preferidas de sua playlist. Assim como dizem as rimas, o atacante de 19 anos provou com a conquista do título brasileiro que é um daqueles jogadores que fazem acontecer dentro de campo.

Autor de 12 gols no campeonato, Gabriel Jesus foi um dos principais responsáveis pelo fim do jejum palmeirense de 22 anos sem títulos brasileiros. O jogador sonhava com a artilharia da competição, mas amargou uma seca de seis jogos na reta final do campeonato e acabou ultrapassado por outros jogadores. Fred, do Atlético-MG, Wiliam Pottker, da Ponte Preta, e Diego Souza, do Sport, lideraram o ranking com 14 gols.

Nada que abalasse as glórias alcançadas pelo atacante em 2016. No segundo ano como jogador profissional, o garoto nascido e criado no Jardim Peri, na periferia da Zona Norte de São Paulo, firmou-se como titular e tornou-se ídolo da torcida. Ainda virou “parça” do astro Neymar, conquistou o inédito ouro olímpico para o Brasil e recebeu de Tite a camisa 9 da Seleção principal. A vestimenta – a mesma usada pelo ídolo Ronaldo – lhe caiu bem. Foram cinco gols marcados nos seis jogos que disputou pelo time canarinho.

A capacidade de “fazer acontecer” chamou a atenção de Josep Guardiola, considerado por muitos o melhor treinador em atividade no mundo. Atual comandante do inglês Manchester City, o espanhol exigiu a contratação de Gabriel Jesus por 32,75 milhões de euros (cerca de R$ 121,1 milhões). O acordo, selado em agosto, teve participação do próprio técnico. Frente à concorrência do Barcelona, ele telefonou para o atacante e o seduziu ao dizer que estava empolgado para treiná-lo a partir janeiro de 2017.

“Quando a bola chega, é gol. Ele tem o cheiro de gol. Então compramos gols. Não é fácil hoje em dia”, disse Guardiola após o City anunciar a contratação do atacante. “Com 19 anos ele já é o camisa 9 da Seleção Brasileira. Isso significa muito. Ficamos muito felizes, porque ele vai nos ajudar não só nesta temporada, mas no futuro também”, elogiou, em outubro.

Mesmo vendido ao City, Gabriel Jesus não esqueceu das palavras que o rapper Sabotage cantou há 14 anos. “Um bom lugar se constrói com humildade, é bom lembrar”. O atacante, que também convivia com o assédio por conta de suas atuações na Seleção, seguiu comprometido em ajudar o Palmeiras a assegurar o primeiro lugar no Brasileirão. Foram três as ocasiões em que ele defendeu o Brasil e deixou a delegação canarinho às pressas para disputar uma partida pelo Verdão.

Brazil's Neymar (C) celebrates with teammates Philippe Coutinho (L) and Gabriel Jesus after scoring against Argentina during their 2018 FIFA World Cup qualifier football match in Belo Horizonte, Brazil, on November 10, 2016. / AFP PHOTO / VANDERLEI ALMEIDA
Gabriel Jesus marcou cinco gols em seis jogos disputados pela Seleção Brasileira (Foto: Vanderlei Almeida/AFP)

“Minha cabeça está só no Palmeiras”, disse Gabriel Jesus por diversas vezes, sempre acrescentando que não falaria sobre o City durante o campeonato. Ao conceder entrevista coletiva no dia 23 de agosto – a primeira depois da venda para os ingleses -, ele explicou porque evitaria tocar no assunto. “Ganhar um título será a melhor despedida para mim”, resumiu.

É inegável, no entanto, que o rendimento do atleta sofreu uma queda após o acerto com o City e a conquista do ouro olímpico. Foram só dois gols marcados entre 28 de agosto e 27 de novembro. Também sobraram advertências dos árbitros. O destempero emocional do jogador resultou em 11 cartões amarelos ao longo do Brasileirão.

“É uma oscilação, ele está sendo muito marcado”, justificou o técnico Cuca, em outubro, em meio à seca de gols que o atacante enfrentou. Gabriel Jesus desencantou só no empate por 1 a 1 com o Atlético-MG, no dia 17 de novembro. Após a partida, Cuca enalteceu o amor que o jogador sente pelo Verdão. “O torcedor palmeirense tem que valorizar muito esse menino”.

Campeão brasileiro e da Copa do Brasil de 2015, Gabriel Jesus encerrou no time do coração o primeiro ciclo de sua carreira profissional. A partir de janeiro, a tarefa será disputar a preferência de Guardiola com o ídolo do City, Kun Aguero. “Vai batalhar, tenta a sorte, seja forte”, cantou Sabotage no rap que o atacante tanto gosta. O moleque do Jardim Peri agora buscará a afirmação na cidade de Manchester.

O jogador Gabriel Jesus, da SE Palmeiras, comemora seu gol contra a equipe do C Atlético Mineiro, durante partida válida pela trigésima quinta rodada, do Campeonato Brasileiro, Série A, no Estádio Independência.
Gabriel Jesus defenderá o Manchester City, de Guardiola, a partir de janeiro de 2017 (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

Atacante se manteve fiel às raízes

Apesar do estrelato, Gabriel Jesus não se distanciou dos amigos que fez nos campinhos da várzea e no Jardim Peri. Certa vez, ao explicar porque ia com tanta frequência ao bairro em que cresceu, o atacante sintetizou em uma frase curta. “É onde gosto de estar”.

Inspirado por uma tatuagem feita por Neymar em 2014, Gabriel Jesus fez no antebraço direito um desenho que remete às origens na periferia de São Paulo. O atacante tatuou uma criança segurando uma bola embaixo do braço em um campinho de uma favela. Na parte superior há um balão com o nome do bairro onde o palmeirense nasceu.

(Foto: Reprodução)
Gabriel Jesus visita o Jardim Peri sempre que pode (Foto: Reprodução/Instagram)

A retribuição dos moradores do Jardim Peri veio no final deste ano. Um artista local pintou em um muro a imagem de Gabriel Jesus vestindo a camisa da Seleção Brasileira. O atacante foi retratado apontando para a tatuagem do seu antebraço. “Posso sair do Peri, mas o Peri nunca sairá de mim”, diz uma inscrição localizada na parte inferior do desenho.

Contudo, uma das andanças de Gabriel Jesus pelo local resultou em um caso de racismo que o atacante denunciou em suas redes sociais. Em dezembro de 2015, ele andava de carro pelo bairro quando foi parado por policiais em uma blitz. Irritado por ser “enquadrado” sem ter cometido nenhum delito, ele criticou os critérios raciais que pautam as ações policiais nas periferias.

“Foi apenas um enquadro onde um menino da pele escura não pode andar em um carro bonito e na comunidade onde cresceu [sem] que a polícia mande parar”, disse o jogador, ao responder a um seguidor que perguntava sobre o incidente no Instagram. “Todos sabem que é difícil ser negro e andar em um carro bonito na comunidade onde crescemos. Quem me conhece sabe o meu caráter”.



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